segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

APRENDENDO A OUVIR UM “NÃO”



A falsa ideia que o homem tem a respeito de sua natureza o faz crer ser mais do que verdadeiramente é, exalta-lhe a personalidade e valoriza-o em demasia. Daí surge o orgulho que o corrói e leva-o a muitos sofrimentos, pois que este é antagônico à qualidade máxima preconizada por Jesus para a conquista da felicidade: a pobreza de espírito ou a humildade.
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Dentre os muitos sofrimentos, destacamos o gerado quando um pedido nos é negado, seja por Deus, por Jesus, pelos amigos espirituais ou pelo próximo. Quando isso acontece, velhos preconceitos arraigados em nosso ser vêm à tona, produzindo insatisfações.
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A capacidade de ouvir um “não” é diretamente proporcional à humildade conquistada, à fé em Deus e à confiança no futuro. Belo exemplo a esse respeito nos dá a mulher cananeia, conforme a narrativa dos evangelistas Mateus (15:21-28) e Marcos (7: 24-30).
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Jesus partindo para um território não-israelita depara-se com uma mulher que não professa o judaísmo. Ela Lhe roga por sua filha que, em casa, sofre de processo obsessivo. O Mestre, como sempre, não perde a oportunidade de ensinar. Primeiro, faz que não a ouve, apesar de a mulher gritar por Ele. A cananeia não se abate com a indiferença simulada, não se ofende com o silêncio.
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Em seguida, Seus discípulos pedem para Ele mandar embora aquela mulher, alegando que ela os atrapalha. Mais uma vez, contudo, ela se mantém tranquila diante do novo ataque. Em resposta aos discípulos, Jesus, por segunda vez, testa a humildade da mulher ao respondê-los – sem a ela se dirigir – que Ele veio para atender aos filhos da casa de Israel, e ela não era uma filha desta casa, não era judia.
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Diante do segundo teste proposto por Jesus, ela exibe sua nobre condição moral, ajoelha-se aos Seus pés e roga, humildemente, do fundo de sua alma: “Senhor, socorre-me!”
Em seguida, o Mestre desfere o teste final. Como àquela época os não-judeus eram desprezados e tratados como cães, diz à cananeia que não podia alimentar os cachorrinhos antes dos filhos. Usa o diminutivo, carinhosamente, para não ofendê-la, mas põe em prova, mais uma vez, a sua pobreza de espírito – a humildade.
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Demonstrando humildade sincera, sem melindres, sem sentir-se diminuída, ela passa pelo teste final quando declara que lhe bastam as migalhas caídas das mesas dos seus donos, pois, a exemplo dos cachorrinhos, isso já é suficiente para sarar a sua filha.
Diante de tamanha demonstração de fé e humildade, o Mestre então atende ao pedido da mãe aflita e sua filha é curada à distância.
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Como agiríamos se estivéssemos no lugar da cananeia? E hoje, como agimos diante de uma rogativa negada? Certamente ainda não temos a fé e a humildade desta mulher e, por isso, reagimos mal. Mas, diante dos ensinos de Jesus e da Doutrina Espírita, temos condições de nos esforçarmos para fazer diferente, pois já compreendemos que tudo é dado de acordo com o nosso
merecimento.
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Conforme registrado por Marcos, em epígrafe, Jesus disse que tudo que pedís semos nos seria concedido, mas saibamos interpretar tal afirmativa, pois que nos será concedido no momento certo, na hora certa e, talvez, não da forma como gostaríamos, mas sempre conforme nossas necessidades.
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As três negativas ouvidas pela mulher cananeia se deram em alguns minutos e ela soube esperar calmamente pelo momento certo de ser contemplada. No nosso caso pode ser que entre uma negativa e outra, anos se passem, ou até mesmo uma encarnação inteira, mas dia virá em que seremos atendidos.
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Saber ouvir um “não” é demonstração de confiança de que o melhor sempre acontece, porque Deus é justo e ama igualmente a todos os seus filhos, sendo também prova de humildade e resignação. Reflitamos no exemplo dado pela mulher cananeia e façamos nossa parte: pedindo sim, idealizando o que entendemos ser o melhor para nós, lutando para que nosso desejo se realize, mas enquanto não formos atendidos, esperemos com fé, com confiança em Deus, trabalhando sem cessar para fazermos jus, no momento oportuno, ao prêmio da felicidade.

Texto de Alberto Leitão Rosa, do Jornal SERVIÇO ESPÍRITA DE INFORMAÇÕES do Lar Fabiano de Cristo do Rio de Janeiro.
Imagem: Pintura de William Adolphe Bouguereau, "A Lição Difícil" (1884)

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