domingo, 16 de novembro de 2008

Texto da monja Coen


Minha mãe morreu

Minha mãe morreu lenta e suavemente. Era uma tarde quente. Sentada na poltrona de repouso, respirava mais leve do que nunca. Eram duas inspirações, duas expirações e uma pausa. Parecia um pequeno pássaro. Naquela manhã, estava quente e a transpiração dela foi diferente. Algo mudara na química de seu corpo. Minha mãezinha.

Como árvore antiga, ela se enrugou e a sua pele ficou manchada. Já não falava, não sorria, não me via. Será que me escutava? Acho que sim. Havia dias que não comia nem bebia mais nada O pré-morte é assim. Li nos textos de pessoas que trabalham com pacientes terminais e fui orientada pelos geriatras.

Um amigo, seguidor de Alan Kardec, ao saber de seu estado, congratulou-me, pois minha mãe se desligava do plano material, vivia de luz e à luz se reintegraria. Fiquei mais tranqüila.

Sempre questionamos se nossa decisão foi a melhor. Quando mais jovem, mamãe pedira que não a deixasse morrer em um hospital. Foi feita a sua vontade baseada em critérios médicos e familiares. Aos poucos, foi se desligando da vida. Um período
O mestre Eihei Dôguen (Japão, 1200-1253) escreveu: "A vida é um período em si mesma. A morte é um período em si mesma". A vida de minha mãe terminou no dia 20 de janeiro, às 14h. Depois de a acariciar e dizer que todos os anjos e os seres benfazejos a aguardavam. Um portal lindo se abria de luzes e ternura, lá estavam parentes e seres iluminados abrindo portas para acolher Branca Dias Baptista, minha mãe.

Depois de semanas, ela abriu os olhos e sorriu levemente. Ou seria minha imaginação? Minha irmã mais velha e uma de suas filhas entraram no quarto. Saí comentando que mamãe nos ensinara a viver e agora nos ensinava como morrer.

Poucos minutos depois, minha irmã veio me chamar. Ela não respirava mais. Mas, se não mais inspirava, agora me inspira a escrever com saudades e ternura a gratidão infinita pela vida, pela educação, pelos cuidados.

A morte de minha mãe começou nesse momento, como o inverno depois do verão ardente. Que perdoe as aflições e as preocupações que eu possa ter causado. Nascimento, infância, namoros, profissões, trabalhos, desempregos, viagens, casamentos, separações, discussões, reuniões, "filha-neta", monja "Tantas vidas em uma só vida", dizia-me. Respeite a vida
Hoje, escrevo a vocês, que me lêem, talvez comovidos, para que cuidem bem de quem está a seu lado. Respeitem a vida, a diversidade da vida. Porque nunca sabemos quem deixará de inspirar primeiro. Aprecie sua vida.

Inspiro verdade sábia, compaixão ilimitada, e ofereço os méritos de minha prática, de nossas vidas, para que minha mãe amada atinja o reino da luz.

Descanse em paz, merecida senhora, valente abridora dos caminhos, que, livre, viveu, e livre morreu, retomando à fonte de onde tudo começou, começa e começará. Incessante atividade vital.

Que todos o seres se beneficiem de todas as esferas da existência, e da não-existência, com o período de vida e o período de morte de Branca, minha mãe. Que todos possamos nos tornar o verdadeiro caminho iluminado, fazendo sempre o bem a todos os seres.





Autora:
Monja Coen
Fonte:
Site - http://www.monjacoen.com.br/

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